Direito Constitucional: Carlos Augusto de Alcântara Machado
Editora RTPoder Constituite e Constituição
1. Antecedentes históricos
1.1. Considerações Gerais
Desde a antiguidade já se reconhecia a necessidade da
existência de leis fundamentais hierarquicamente superiores para a
regulamentação da sociedade, leis que fundamentavam a própria existência do
corpo social, a própria existência do Estado. Exemplo deste reconhecimento é
verificado na Grécia Antiga nas leis de Licurgo, em Esparta, e nas leis de
Drácon e Sólon, em Atenas.
Esta constatação não é pacífica na doutrina, pois, há
quem diga que apenas no séc. XVIII é que surgiu a idéia de constituição nos EUA
e América Continental, como resultado do movimento constitucionalista (Celso
Ribeiro Bastos: 1984, p. 10).
Na obra “Política” de Aristóteles já se reconhecia
diferença entre leis que regulavam o governo e o poder, das demais leis. No
período Medieval também se formulou a idéia de normas superiores às demais.
Porém, a noção de que a produção destas normas
superiores só poderia ser feita por um poder também superior é algo recente,
desenvolvido somente no fim do séc. XVIII. Desta forma, Paulo Bonavides adverte
que Poder Constituinte e sua teoria são coisas distintas. O primeiro, sempre
houve, “porque jamais deixou de haver o ato de uma sociedade estabelecendo os
fundamentos de sua própria organização”, o segundo, no entanto, se constitui no
problema fundamental do direito público, pois, nem sempre existiu uma teoria
deste poder, o que se desenvolveu somente em fins do séc. XVIII.
Para o autor, a doutrina do poder constituinte é
resultado das grandes revoluções, que originaram o Estado Constitucional Moderno
(Revolução Inglesa – 1688; Revolução Americana – 1776 e Revolução Francesa –
1789)
1.2. O pensamento político de Sieyès
“A elucubração geral da Teoria do Poder Constituinte
nasceu na Europa (1788), com Emmanuel J. Sieyès, pensador e revolucionário
frânces, ligada à idéia de constituição escrita (p. 18)”.
Sieyès lança o livro “Que é o Terceiro Estado?[1]”
alguns meses antes da Revolução Francesa, verdadeiro manifesto desta.
É Sieyes quem formula o pensamento pelo qual o “Poder
Constituinte pode tudo.” É ilimitado, inicial e incondicionado. “A nação existe
antes de tudo. Sua vontade é sempre legal, é a lei mesma. Antes dela e por cima
dela só existe o Direito Natural” (p.21).
2. Poder Constituinte – Conceitos e espécies
Abarcando o conceito ampliado de Poder Constituinte
(como o poder de elaborar originariamente, revisar, emendar e complementar a
constituição.) a doutrina costuma classifica-lo de acordo com o seguiente
esquema:
3. Poder Constituinte Originário
Poder essencialmente político, não se vinculando a
nenhum limite formal ou jurídico. Manifesta-se na edição de uma nova
constituição, quando da organização de um novo Estado, ou, ainda, em face da
elaboração de uma nova.
3.1. Natureza do Poder Constituinte Originário
Por meio da concepção do abade Sieyès, que fundamentava
o Poder Constituinte no Direito Natural, entendia-se que a natureza do mesmo era
eminentemente jurídica, pois vinculado aos limites do Direito
Natural.
Com o surgimento da doutrina do positivismo jurídico, no
séc. XIX, nega-se a existência do Direito Natural. O direito surge apenas com o
surgimento da Constituição, logo o Poder Constituinte seria anterior ao próprio
Direito não podendo ser considerado poder jurídico. Para os positivistas o Poder
constituinte só pode ser considerado em sua natureza metajurídica (para alguns
política, para outros, poder de fato).
3.2. Titularidade e exercício do Poder Constituinte
Quem tem o poder de fato é o titular do poder
constituinte.
Hodiernamente, adotando uma ideologia democrática, a
doutrina majoritária afirma que o titular do pode constituinte é sempre o
povo.
Nos Estados Modernos, porém, em regra, o povo não exerce
o seu poder de editar e elaborar a Constituição, assim, a doutrina costuma
separar a titularidade do exercício do poder. No caso brasileiro, Constituição
de 1988, a titularidade pertenceu ao povo, porém, o exercício ficou por conta da
Assembléia Nacional Constituinte.
3.3. Características
O Poder Constituinte é inicial, autônomo e
incondicionado.
É inicial, pois não se fundamenta em poder algum
de Direito. Pelo contrário, é dele que derivam os poderes constituídos:
Legislativo, Executivo e Judiciário.
É autônomo, pois não se subordina a outro
poder.
É incondicionado, pois não possui nenhuma forma
prescrita para seguir. Pode seguir o caminho que desejar (incondicionalidade
formal ou jurídica).
3.4. Formas de Expressão
A história constitucional brasileira registra 3
situações de outorga: 1824; 1937 e a Emenda Constitucional nº 1 de
1969.
4. Poder Constituinte Reformador
4.1. Natureza
A natureza do poder constituinte reformador será sempre
uma natureza jurídica, pois previsto em disposições
constitucionais.
O Poder Constituinte de Revisão ou Reformador tem por
finalidade maior a adaptação da Carta Magna, que, como documento
político fundameltal, não pode pretender ser eternamente inalterável, prevendo
assim os moldes de sua reforma ou revisão.
Só tem sentido em países que adotam uma constituição
rígida.
“A finalidade básica do Poder Constituinete de
reforma constitucional é possibilitar a adaptação da Lei Maior, a
modificação de seus dispositivos, dentro da ordem jurídica existente, evitando,
desta forma, uma ação revolucionária e a conseqüente manifestação do Poder
Constituinte originário.” (p. 31)
· Reforma
Emenda – alteração tópica
Revisão – alteração mais ampla, um “passar a limpo a
constituição”.
4.2. Caracteres
Poder derivado, subordinado e condicionado.
4.3. Limitações
As limitações são de quatro ordens:
Procedimentais – determinam um procedimento mais
cerimonioso para a modificação da Lei Maior;
Materiais – consiste na vedação de exclusão de
determinadas matérias do texto constitucional (Ex: cláusulas pétreas – forma
federativa de estado, direitos e garantias fundamentais, a separação dos poderes
e o voto direto, secreto, universal e periódico. Art. 60 §4º);
Circunstanciais – consiste na vedação de modificação da
constituição sob a ocorência de dterminadas circustâncias. (Ex: estado de sítio,
intervenção federal, estad de defesa e etc…); e
Temporais – consiste na determinação de um espaço de
tempo para alteração do texto constitucional (Não está presente na Constituição
de 1988).
4.4. Titularidade e exercício do poder constituinte reformador
A titularidade e exercício deste poder encontram-se nos
membro do parlamento.
4.5. Mutações constitucionais
Para José Áfono da Silva (2000, p. 283), mutações
costitucionais são
(…) mudanças não-formais que se operam no correr da
história de uma Constituição, sem alterar o enunciado formal, sem mudar a letra
do texto. Segundo a doutrina tradicional, isso se dá por força da modificação
das tradições, da adequação político-social, dos costumes, de alteração empírica
e sociológica, pela interpretação e pelo ordenamento de estatutos que afetem a
estrutura orgânica do Estado”.
5. Poder Constituinte do Estado-Membro
5.1. Considerações iniciais
O poder constituinte decorrente é um problema dos
Estados do tipo federal, não se cogitando naqueles consolidados em uma unidade
de regime centralizado politicamente.
O poder constituinte do Estado-Membro é decorrente e
estreitamente delimitado pela Constituição Federal, que, inclusive, já fixa
diretamente boa parte da estrutura estadual.
5.2. Características básicas
Poder derivado, subordinado e condicionado.
· É derivado, pois resulta expressa ou implicitamente do
Poder Constituinte originário ao organizar o Estado federal.
· Subordinado ao Poder Constituinte Originário.
· Condicionado, pois, no exercício desta modalidade de
Poder, deverão ser obedecidas as prescrições finais, as condições postas pelo
Poder Constituinte Originário.
5.3. Natureza
Poder jurídico, simplesmente.
5.4. Espécies
· Poder Constituinte Decorrente Inicial
· Poder Constituinte Decorrente Reformador
§ Normal – em face de adaptação à nova
realidade
§ Extraordinário – em face de adaptação à alteração da
Constituição Federal
5.5. Limites
A regra que rege as limitações do Poder Constituinte
decorrente é a seguinte: tudo que não for expressa ou implicitamente vedado por
obra do poder constituinte originário, poderá se disciplinado pelo Poder
Constituinte decorrente.
Há, porém, doutrinadores que classificam as limitações
que sofre o poder constituinte decorrente em duas ordens:
· Limitações positivas – consistem na assimilação
obrigatória, por parte do constituinte estadual, dos princípios adotados pela
Constituição Federal.
· Limitações negativas – são as vedações expressas ou
implícitas que norteiam o exercício do Poder Constituinte decorrente.
6. Fenômenos constitucionais
Com o surgimento de uma nova Constituição se faz
necessário o estudo de certas relações decorrente desta alteração substanciosa
do mundo jurídico, a doutrina constitucional costuma elencar 3 fenômenos para o
estudo: desconstitucionalização, recepção e repristinação.
6.1. Desconstitucionalização
Ocorrerá o efeito da desconstitucionalização sempre que,
com o advento de uma nova constituição, as normas tidas como constitucionais,
que não contrariem a nova Constituição, passem a vigorar rotuladas de simples
leis ordinárias.
Não deve ser acatado esse efeito, salvo disposição
expressa da nova Constituição, como defendem a maioria dos
doutrinadores.
6.2. Recepção
Consiste no recebimento pela nova ordem jurídica da
legislação anterior à Constituição que não a contrarie. O conteúdo material das
normas recepcionadas continua o mesmo, seu fundamento de validade é que vai ser
alterado. Segundo Hans Kelsen, o fenômeno da recepção é verdadeira produção de
Direito.
É pelo fenômeno da recepção, também, que leis ordinárias
são recebidas pela nova Constituição com o status de lei complementar ou
vice-versa.
6.3. Repristinação
É a retomada de vigência de uma norma revogada pela
revogação da norma revogadora. Não deve ser acatado esse efeito, salvo
disposição expressa da nova Constituição, como defendem a maioria dos
doutrinadores.
7. Sentidos e classificações de Constituição
7.1. Sentidos
1.
Constituição no sentido
sociológico – Atribuiu-se a Ferdinand Lassalle a concepção da
Constituição no sentido sociológico (constituição real). Para Lassalle a
Constituição de um país é a soma dos fatores reais do poder que regem uma
nação. Se a constituição escrita não espelhar a constituição real, será uma mera
folha de papel e sucumbirá, não tendo nenhuma valia.
2.
Constituição no sentido
político – Carl Schimitt desenvolveu o sentido político de
constituição, para ele, considera-se Constituição o conjunto das decisões
políticas fundamentais. Carl Schimitt distingue Constituição
de leis constitucionais, designando aquela como a
que trata da organização do estado e do poder e estas, como todas as que foram
inseridas no corpo formal da Constituição, sem se ocupar de decisões políticas
fundamentais.
3.
Constituição no sentido
jurídico – Hans Kelsen concebe o Direito como uma ordem normativa
hierarquizada e a Constituição é o ápice da pirâmide normativa,
instrumento jurídico que confere validade a todas as normas de
Direito.
Inserir os estudos de Jorge Miranda p.
46.
Inserir os estudos de Uadi Lammêgo Bulos p.
47.
7.2. Classificações
(cópia fiel do trecho)
a)
Constituição Pactual –
é aquela em que se efetiva um compromisso entre o rei e o Poder Legislativo,
sujeitando-se o monarca aos esquemas constitucionais, e resultando a
Constituição de dois princípios: o monárquico e o democrático. Também pode ser
chamada de constituição dualista ou, ainda, de constituição
contratual.
b)
Constituição Legal – é
a que se contrapõe à Constituição Consuetudinária. Alguns autores defendem a
possibilidade de uma norma constitucional ser nula se ofender de modo
insuportável os postulados fundamentais da justiça subjacentes às decisões
fundamentais da Constituição. A doutrina brasileira, em geral, não adota essa
possibilidade.
c)
Constituição Legal ou
Variada – também pode ser compreendida como aquela que se apresenta
fragmentada em diversos textos e se contrapõe à Constituição
Codificada.
d)
Constituição Ortodoxa
– é formada por uma só ideologia e Constituição Eclética, quando constituída por
diversas ideologias conciliatórias.
e)
Constituição Plástica
– é aquela cuja precedência de princípios fundamentais deve ser levada em conta
na interpretação valorativa. E, ainda, para ter eficácia, necessita de elevada
atividade legislativa infraconstitucional em razão de possuir grande quantidade
de normas de eficácia limitada.
f) Constituição Cesarista – é aquela
que, não obstante outorgada, depende de ratificação popular por meio de
referendo ou aprovação por plebiscito popular.
g)
Constituição
Nominalista – é aquela em que o texto da carta constitucional já contém
decisões dos problemas concretos a serem resolvidos mediante aplicação das
normas constitucionais, cabendo ao intérprete se valer, tão somente, da
interpretação gramatical ou literal.
h)
Constituição Semântica
– é aquela cuja interpretação depende da averiguação e análise de seu conteúdo
semântico, sociológico e metodológico, possibilitando uma maior aplicabilidade
político-normativa-social do texto constitucional. E que também, como entendem
alguns, serve para legitimar os interesses da classe dominante, sendo meramente
formal. (carece de maior
aprofundamento)
i) Constituição Dogmática – é aquela resultante dos
trabalhos de um órgão constituinte e que sistematiza as idéias e princípios
fundamentais de teoria política e do direito dominante no momento. É uma espécie
de Constituição quanto ao seu modo de elaboração.
j) Constituição Histórica – é aquela fruto da lenta,
gradual e contínua síntese da história e tradições de um determinado povo. Tem o
mesmo sentido da Constituição Costumeira.
k)
Constituição Material
– é aquela que consiste no conjunto de regras materialmente constitucionais,
estejam ou não codificadas em um único documento. Essas regras dizem respeito à
organização do Estado e do Poder.
l) Constituição Formal – é aquela consubstanciada de
forma escrita, por meio de um documento solene estabelecido pelo poder
constituinte originário.
m)
Constituição Sintética
– é a que prevê somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado,
organizando-o e limitando o seu Poder, por meio de estipulação de direitos e
garantias fundamentais. É conhecida ainda como Constituição Negativa ou
Constituição Garantia.
n)
Constituição Analítica
– é a que examina e regulamenta todos os assuntos que entenda relevantes à
formação, à destinação e ao funcionamento do Estado. Diz-se, também,
Constituição Expansiva.
o)
Constituição Dirigente
– define fins e programas de ação futura para o Estado.
p)
Constituição
Estatutária ou Orgânica – é aquela que se ocupa preferencialmente
do estatuto do Poder, dos seus órgãos e da participação política dos
cidadãos.
q)
Constituição
Programática, Diretiva ou Doutrinal – é aquela que, além da
organização política, estabelece programas, diretrizes e metas para a ação do
Estado no domínio econômico, social e cultural. Pode ser chamada de Constituição
Prospectiva.
r)
Constituição Simples –
é aquela que pode reconduzir-se a um só princípio ou a um feixe único de
princípios.
s)
Constituição Complexa
ou Compromissória – é a que aglutina princípios de natureza diversa ou
oposta.
t) Constituição Balanço – é a que reflete um estágio
de compromisso socialista. A cada novo degrau de evolução socialista, haveria um
novo texto constitucional.
u)
Constituição
Semi-rígida ou Flexível – é aquela em que algumas de suas
regras podem ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras,
somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso. A constituição
brasileira de 1824 tinha essa característica.
v)
Constituição Escrita –
também pode ser chamada de constituição instrumental.
w)
Constituição
Democrática ou Popular – é aquela que deriva do trabalho de uma
Assembléia Nacional Constituinte, composta de representantes do povo, eleitos
com a finalidade de sua elaboração.
x)
Constituição Outorgada
– é a elaborada e estabelecida sem a participação popular, com a imposição do
poder da época.
y)
Constituição Oral – é
aquela que não está condensada em um específico texto escrito, sendo proferida
de forma solene em conjunto por quem detém o Poder.
z)
Constituição Total – é
aquela que congrega os sentidos político, sociológico e jurídico.
aa)
Constituição Imutável
ou Fixa – é a que não pode ser objeto de Poder Constituinte Reformador.
Não poderá, em nenhuma hipótese, ser alterada, mediante emendas.
bb)
Constituição
Originária – é aquela que apresenta um princípio político novo, como a
dos Estado Unidos (Federação) e Constituição derivada aquela que não inova
substancialmente.
cc)
Constituição Econômica
– é a que apresenta o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que,
garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico,
institui uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e
constitui, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica.
dd)
Constituição Temperada
– é o texto constitucional que tenta conciliar o poder do rei e o poder do povo.
Constituição brasileira de 1824.
ee)
Constituição Material
– é o conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas, etc., que conforma
a realidade social de um determinado Estado, configurando sua particular maneira
de ser.
ff)
Constituição
Substancial – é a que procura reunir as normas que dão essência ou
substância ao Estado. É definida a partir do objeto de suas normas. Define
competências dos órgãos estatais e estabelece limites para a ação do
Estado
gg)
Constituição Formal –
é o oposto da substancial. É o texto aprovado pelo poder constituinte e só. Não
leva em conta o conteúdo, mas a vontade do Estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário